As Polícias Legislativas Municipais: a importância e pertinência de sua criação à luz de princípios constitucionais

Com vistas a esclarecer e aprofundar questões históricas e jurídicas envolvidas na existência da Polícia Legislativa, e de munir os cidadãos de informações relevantes acerca da Polícia Legislativa, a Associação dos Policiais do Congresso Nacional, conforme mencionado no primeiro ensaio publicado, passa a divulgar artigos e ensaios que tratam dessa carreira.

No primeiro artigo publicado, foram abordados aspectos históricos das Polícias Legislativas, que vêm previstas de maneira expressa, nos textos constitucionais, desde a Constituição de 1824.

Naquela oportunidade, foram revisitadas as redações dos artigos art. 27, §3º, art. 51, inciso IV e art. 52, inciso XIII, da Constituição da República de 1988, bem como a inteligência da Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1988, que dispõe sobre princípios e normas da Administração Pública, seus servidores e agentes políticos.

O artigo também comentou, brevemente, o conteúdo da Resolução nº 13 de 25 de junho de 2018, do Senado Federal, da Resolução nº 18, de 2003, da Câmara dos Deputados, do Ato da Comissão Diretora do Senado Federal nº 15/2006, esclarecendo que as resoluções são espécies normativas primárias de competência privativa do Congresso Nacional ou privativa da Câmara ou do Senado, e que veicula matérias, em regra, com efeitos internos ao Poder Legislativo.

Neste segundo ensaio, considerando que, a partir da Constituição de 1988, os Municípios passaram a gozar do status de integrantes da Federação, uma vez que, agora, além de autonomia, contando com Executivo e Legislativo próprios, também dispõem do poder de auto-organização, por meio de Lei Orgânica (art. 29), pretende-se abordar a importância da criação das Polícias Legislativas Municipais.

Corrobora com a tese de autonomia dos Municípios o artigo inaugural da Constituição em vigor, que afirma que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal.

Por oportuno:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;         (Vide Lei nº 13.874, de 2019)

V – o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Apesar da disposição constitucional, os Municípios ainda vêm lutando pelo reconhecimento de sua autonomia em alguns aspectos, luta esta que recebe amparo desta Associação dos Policiais do Congresso Nacional em razão de sua relevância e importância.

O artigo 29, caput, da Constituição de 1988 dispõe que:

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

A autonomia do Município sempre exigirá que sejam preservados o autogoverno e a autoadministração, ainda que a extensão das competências materiais dos Municípios dependa do que o contexto histórico indica como de interesse predominantemente local.

Financeiramente, a autonomia vem assegurada pela previsão de bens e receitas próprios e, no que tange às receitas tributárias, além das que resultam de tributos de sua competência, os Municípios também fazem jus a parcelas de impostos da União e dos Estados-membros.

Reforçam a autonomia dos Municípios os incisos dos artigos 29 e 30 da Constituição, que definem a previsão das Leis Orgânicas municipais bem como as competências desses entes.

Acerca das previsões da Lei Orgânica, o artigo traz, expressamente, que essa Lei disporá, entre outros, sobre a organização das funções legislativas e fiscalizadoras da Câmara Municipal (inciso XI).

Além dessa previsão, também os artigos 30 e 31 reforçam a competência do Município para garantir a segurança e a ordem, no âmbito de suas Câmaras Municipais:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I – legislar sobre assuntos de interesse local;

II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;      (Vide ADPF 672)

III – instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV – criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI – manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental;

VI – manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental;         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII – prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.

Veja-se que a inteligência do artigo garante aos entes municipais a autonomia para proteger o patrimônio municipal, incluindo as Câmaras, os Vereadores, as estruturas físicas e de pessoal da Casa Legislativa municipal.

Assim, embora a Constituição da República não mencione, expressamente, as funções da Polícia Legislativa Municipal, a sua criação está amparada pelo princípio da autonomia municipal, pela competência do Município de garantir a segurança e a ordem dos Poderes, bem como pelo princípio da simetria.

A ausência de menção expressa das funções da Polícia Legislativa na Constituição também não pode ser vista como óbice à sua criação, considerando que as Polícias Legislativas da Câmara do Distrito Federal, as Polícias Judiciais e do Ministério Público também não vêm expressamente previstas nos artigos 32, 96 e 127 do texto constitucional, mas foram criadas por Lei Orgânica (no caso do DF) e por resoluções próprias dos poderes.

A Polícia Judicial, por exemplo, é regulamentada por diversas resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que definem suas atribuições, porte de armas, uniformes, entre outros aspectos. A Resolução CNJ nº 344/2020, por exemplo, estabelece as atribuições dos Agentes e Inspetores da Polícia Judicial. 

No âmbito do Ministério Público da União, a Resolução nº 279/2023 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) estabelece as atribuições do Ministério Público no exercício do controle externo da atividade policial. Esta resolução é essencial para que o MPU exerça seu papel de controle e fiscalização das ações policiais. 

A República Federativa do Brasil, como o próprio nome menciona e como vimos a partir da redação do artigo inaugural da Constituição, possui a forma de Estado consistente numa federação. As emanações dos Poderes não advêm, assim, de apenas uma entidade, mas de diversos outros núcleos com autonomias e capacidades próprias.

De um ponto de vista clássico, a soberania é característica essencial do Estado nacional, um poder incontrastável internamente e que apenas encontra iguais no plano internacional.[1]

Por sua vez, a autonomia é o poder próprio e inerente aos entes federados, ou seja, componentes de uma federação, o poder de auto-organização, reconhecido aos membros da federação, começando pela possibilidade de cada um elaborar uma Constituição própria (o chamado Poder Constituinte Decorrente).

Portanto, como bem ensina o professor José Levi Mello do Amaral Júnior[2], soberano é o todo federativo, não cada uma de suas partes componentes, como os Municípios (que são partes autônomas).

A vocação brasileira ao federalismo não é algo novo no âmbito do constitucionalismo brasileiro. Historiadores e juristas admitem que o federalismo tem raízes no feudalismo, afirmando que a inclinação federativa brasileira remonta às capitanias hereditárias, não apenas pela descentralização territorial em favor de donatários, mas, também, porque as vilas admitiam câmaras municipais.

No entanto, revezes foram enfrentados pelo federalismo brasileiro, a começar pelo Império unitário que se instalou com a Independência.

O próprio Império brasileiro, curiosamente, fomentou a vocação federativa brasileira. Isso porque o Ato Adicional, de 12 de agosto de 1834[3], conferiu maior autonomia às províncias, substituindo os conselhos gerais provinciais por assembleias legislativas.

O Ato Adicional dotava as províncias de poderes amplos, inclusive para auto-organização, por exemplo, no que toca a um eventual modelo provincial bicameral, garantindo que elas pudessem legislar sobre

  • divisão civil, judiciária e eclesiástica da província e mudança da capital;
  • instrução pública e seus estabelecimentos;
  • casos e forma de desapropriação por utilidade municipal ou provincial;
  • polícia e economia municipal, precedendo propostas das câmaras;
  • fixação das despesas municipais e provinciais, e os impostos para elas necessários;
  • repartição da contribuição direta pelos municípios da província e sobre a fiscalização do emprego das rendas públicas provinciais e municipais;
  • criação, supressão e nomeação para os empregos municipais e   provinciais, e estabelecimentos dos seus ordenados;
  • obras públicas, estradas e navegação no interior da respectiva província que não pertençam à administração geral do estado;
  • construção de casas de prisão, trabalho, correição e regime delas;
  • casas de socorros públicos, conventos e quaisquer associações políticas ou religiosas;
  •  casos e forma porque poderão os presidentes das províncias nomear, suspender e demitir os empregados provinciais.[4]

Nota-se que algumas destas competências prenunciam várias das futuras competências estaduais e municipais, inclusive concorrentes, que começariam a ser adotadas décadas depois e que persistem na Constituição brasileira de 1988.

O Ato já mencionava, por exemplo, que as províncias possuíam poderes amplos para legislar sobre a sua polícia.

Ainda sobre a implantação do federalismo no contexto brasileiro, rememora-se que a Constituição de 1891 implantou formalmente um federalismo clássico. Já a Constituição de 1934, inspirada na Constituição de Weimar de 1919, inaugurou, no Direito brasileiro, o federalismo cooperativo.

A Constituição de 1934 e a Constituição de 1946 foram sucedidas, respectivamente, pela Carta de 1937 e pela Carta de 1967. Ambas, em suas literalidades, aparentemente adotavam a forma federativa de Estado. Porém, como é sabido, eram autoritárias e, por essa razão, centralistas, que negavam, cada uma à sua medida, o federalismo.

A atual Constituição da República, em 1988, retoma a linha evolutiva do federalismo de cooperação e prevê, nessa linha, a existência da União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, cada qual também com suas competências regradas no mesmo Texto.

Partindo da simetria que a Constituição da República, em certos aspectos, atribui às entidades, sabe-se que esse princípio, que não vem tratado expressamente na Constituição, tanto garante direitos aos entes municipais, como lhe imputam deveres, como o de respeito ao modelo federal estabelecido na Constituição.

É que a simetria jamais poderá aniquilar a autonomia. Afinal, a Constituição, quando pretendeu estipular determinações para Estados e Municípios, o fez de maneira expressa, sendo a separação de poderes, então, a pedra fundamental, sob pena de interpretações dessa envergadura conduzirem ao conhecido Estado Unitário meramente descentralizado.

No entanto, não se pode olvidar que é fundamental uma maior ênfase ao conhecimento local dos entes mais próximos aos cidadãos, visando justamente à proteção dos direitos fundamentais e ao cumprimento dos objetivos fundamentais da República.

Não há ente e não há gestor que melhor conheça a localidade do que os entes e gestores municipais. Assim, o incentivo à criação de uma Polícia Legislativa autônoma é fundamental, pois permite que o poder legislativo local tenha controle total sobre a sua segurança, sem depender de forças externas.

Essa autonomia fortalece a independência do legislativo municipal, assegurando um ambiente seguro e imparcial para o exercício das atividades parlamentares.

Algumas Constituições Estaduais, como a Constituição do Estado de Goiás, em seu artigo 70, assim como Leis Orgânicas Municipais já vêm permitindo a criação das Polícias Legislativas Municipais, como é o caso dos municípios de Itapemirim (ES), Palmas (TO), Feira Grande (AL), Tucano (BA), Santo Antônio do Descoberto (GO), Valparaíso (GO), Itapissuma (PE), Rio das Flores (RJ), São Pedro da Aldeia (RJ), Mesquita (RJ), Rio Branco (AC), Parauapebas (PA), Tucuruí (PA), Porto Velho (RO), e Tibau (RN).

Nesses Municípios, a Polícia Legislativa Municipal é responsável por garantir a segurança da Câmara Municipal, protegendo os parlamentares, servidores, visitantes e o próprio patrimônio municipal, tanto dentro das dependências quanto em locais relacionados ao Legislativo; manter a ordem nas sessões; realizar investigações internas, bem como exercer atividades de policiamento ostensivo, revistas e busca de objetos.

Além disso, as Polícias Legislativas já criadas administram a custódia de armas, controlam o acesso e o uso de equipamentos de segurança, auxiliam em processos administrativos e sindicâncias, propõem normas de segurança, assessoram a Mesa Diretora e atuam em ações de prevenção a incêndios, quando necessário.

A criação de uma Polícia Legislativa Municipal dependerá da aprovação de um projeto de lei ou resolução pela própria Câmara Municipal, com base na autonomia do Poder Legislativo garantida pela Constituição e pela respectiva Lei Orgânica do Município. Esse projeto de lei deve ser de autoria da Mesa Diretora.

Assim, defende-se que a criação das Polícias Legislativas municipais, além de amparadas constitucionalmente, garantirão, cada vez mais, o bom funcionamento do Poder Legislativo municipal e, consequentemente, o bom funcionamento da democracia local, dando conforto e segurança ao povo, aos seus representantes e às próprias instituições.

Por essas e por outras razões, vem crescendo a discussão acerca da Segurança Pública Institucional, tema que será profundamente tratado nos próximos artigos.

Bárbara Nunes Ferreira Bueno[5]


[1] https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/218271/199511

[2] Artigo do professor: FEDERALISMO E REPARTIçÃO DE COMPETÊNCIAS: A AFIRMAÇÃO DAS AUTONOMIAS LOCAIS E A SUPERAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SIMETRIA

[3] https://www2.camara.leg.br/legin/fed/leimp/1824-1899/lei-16-12-agosto-1834-532609-publicacaooriginal-14881-pl.html

[4] https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/218271/199511

[5] Advogada, Professora e Pesquisadora. Mestra e Doutora em Direito Constitucional. Pós-Graduada em Direito Público. Pós-Graduada em Direito Digital. Convidada pela Associação dos Policiais do Congresso Nacional para publicar artigos que tratem das Polícias Legislativas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

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Publicado em: 24/04/25

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